Será que há alguma relação entre índices econômicos e bônus de transferência dos cartões de crédito? Nosso querido Carlos, sempre ele, nos brinda com uma detalhada análise para responder a essa pergunta!
Introdução
Após a publicação da postagem a respeito dos benefícios e histórico de pontuação de cartões de crédito, um comentário do SwineOne me levantou uma dúvida interessante: haverá alguma relação entre os índices econômicos principais do país e os bônus de transferência de pontos dos cartões de crédito?
Para responder tal dúvida, resolvi analisar o histórico das promoções e apresento um estudo inédito e “totalmente excelente” (alguém assistia Rock Gol na MTV?) sobre o assunto. Nem os pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) poderiam imaginar tal possibilidade da avaliação (provavelmente pela inutilidade, mas…).
Olhando as promoções passadas
Para começar, utilizei o bom e velho Google (não tão velho, se aplicaria melhor a Altavista ou Cadê, mas estes estão extintos de velhos) para levantar as promoções publicadas em blogs e sítios da internet, filtrando por ano.
Os primeiros que achei foram em 2009, dois bônus de 100% do então TAP Victoria, para Itaú (em 02/03) e Santander (07/09).
2010 já teve o dobro de bônus. Começou, novamente, com 100% do Victoria com Itaú e os primeiros do recém criado Multiplus e Smiles, ambos de assombrosos 10%, para BB e BRA; e Santander e HSBC, respectivamente. Tivemos ainda bônus fixo de Smiles, de acordo com a quantidade de pontos transferidos e status no programa, chegando, no máximo, a 20% de pontos para clientes Ouro e Diamante na transferência de 20 mil pontos.
Para 2011, só localizei um, os habituais 100% do Victoria, desta vez para CEF. E, em 2012, nada, o que talvez seja explicado por esta postagem. O mau período é reforçado pela atitude do Itaú logo no começo de 2013, quando aplicou um “amigável” bônus negativo de 20% nas transferências de 4 dos 5 programas parceiros.
De qualquer forma, este período inicial (2009-2012) tem pouquíssimos dados a respeito de bônus de transferência. É possível que tenha havido alguns outros bônus, mas como esta era uma época onde ainda haviam poucos blogs como o Passagens.top para registrar todas as promoções, muita coisa deve ter passado em branco.
Estamos falando do período pós-crise do subprime americano de 2008, em que a cotação média do dólar não passou dos dois reais e o acúmulo de pontos com gastos no cartão de crédito eram bastante altos, conforme já tratado no link inicial desta postagem.
Transferência de pontos como estratégia de negócios
2013 é o ano que marca o início da política de concessão de bônus de transferência como estratégia de negócios dos programas de pontos. Por que neste ano?
Se olharmos o gráfico de conversão de pontos de cartão de crédito (transferências para os programas de pontos), vemos que o ritmo constante de crescimento, a partir de 2010 (o Banco Central não tem dados anteriores), vem perdendo a força.
A taxa de crescimento, de 71% de 2010 para 2011, passa para 31% no ano seguinte, cai para 15% de 2012 para 2013, quase estagna na sequência com 6%, diminuindo 1% de 2014 para 2015.
Como as empresas combatem esta diminuição de transferências, que representam exatamente uma diminuição de entrada de recursos e, consequentemente, lucros? Aumentando cada vez mais as quantidades de bônus e seus percentuais.
De apenas 9 bônus em 2013, passamos para 34 e 38 nos próximos anos e, com a queda das transferências, passam para 58 em 2016.
A média de bônus, antes de 2014, é afetada pela baixa amostragem, sofrendo influência direta dos 100% ofertados pelo Victoria. Mas os percentuais são 69% em 2013 e, na sequência, 45%, 49% e 62% em 2016
Justamente, então, em 2016 vemos uma retomada na conversão dos pontos, com crescimento de 17%.
Em relação à aquisição de pontos, de 2010 a 2014 o ritmo de crescimento é constante, caindo nos dois anos seguintes. Por quê?
Atividade econômica
2015 e 2016 são os anos de encolhimento do PIB, combinando queda da atividade econômica e aumento significativo da cotação do dólar (de R$ 2,35 em 2014 para R$ 3,33 e R$ 3,49 nos anos seguintes).
É interessante notar que a política de bonificações dos programas de pontos surtiu efeito para minimizar os impactos da crise dos referidos anos. Mesmo com a queda na aquisição de pontos, houve aumento nas transferências. E isto é bem representado pela queda do estoque de pontos de 2015 para 2016.
Em 2017, a quantidade de bônus manteve-se no mesmo patamar do ano anterior. Foram 58 em 2016 e 59 em 2017, embora com aumento da média percentual de 62% para 67%. E o que isso significou?
Mesmo com a saída da recessão neste ano e uma melhora da cotação do dólar, houve forte queda nas transferências de pontos dos cartões, em 20%. Como as empresas de pontos combateram esta queda? Novamente, taca-lhe bônus.
Temos em 2018 um aumento de 90% na quantidade de promoções de transferências, de 59 para 112. A média dos bônus não aumentou tanto, passando de 67% para 74%.
Infelizmente, não há disponíveis dados de 2019 dos cartões de crédito para avaliarmos a reação do mercado a esta política, que funcionou em 2018, mas de forma tímida para tamanha agressividade.
Mas no período, a atividade econômica permaneceu estável (e baixa), houve nova subida do dólar e uma pequena queda na quantidade de transferências (12%, em parte devido à falência da Avianca Brasil), com aumento do bônus médio (de 74% para 79%).
Imagino ter havido nova queda nas transferências de cartões, embora seja importante frisar que estes dados não cobrem a aquisição direta dos pontos junto aos programas de pontos (especialmente Livelo), que é o método mais utilizado pelos mercadores de pontos.
Qual a relação entre bônus de transferência dos cartões de crédito e a atividade econômica?
Pesquisando, é possível observar que parte da queda da qualidade dos programas disponíveis para transferências vem da concentração bancária nacional, com a perda de HSBC e Citi e dos programas Diners Club e Membership Rewards, além da fusão de Bradesco e Banco do Brasil no programa Livelo.
Até mesmo programas estrangeiros (além do antigo Victoria) já receberam bônus de transferência, como o Ibéria Plus, com bônus de 30% e 50% da Amex e 15% do Santander.
A possibilidade de geração de grandes quantidades de pontos pela compra direta, a partir da Livelo, também modificou a dinâmica das promoções, que inicialmente ofereciam bônus mais polpudos com a transferência de maiores quantidades de pontos, de tímidos 20k pontos no início para 90k pontos, antes da mudança para privilegiar os programas de clubes de pontos próprios.
Para 2020, sabemos que o dólar vai ficar bem mais alto e o PIB vai para o buraco. Consequentemente, o estoque e aquisição de pontos deve despencar, as transferências caírem bastante. Me parece ter ficado clara a relação dos fundamentos econômicos com o comportamento dos programas de pontos, em relação aos bônus de transferência.
Acredito, no entanto, que a simples resposta repetida de aumentar os percentuais e quantidades de promoções será insuficiente desta vez. Temos, no primeiro trimestre, 28 promoções (projetando 112 até o final do ano) com novo aumento da média para 83%.
Só que, nos últimos anos, a política de aumento dos bônus foi acompanhada por uma sensível piora dos programas de pontos em termos de valores e disponibilidade de resgates; e valorização do passageiro frequente ou eventual.
Trazer passageiros de volta às aeronaves e cliente e pontos de volta aos programas vai exigir que as empresas retomem o verdadeiro conceito de fidelidade, perdido há anos em meio à constante exploração dos usuários com mudanças constantes de regras de passagens, acúmulos, resgates, cobranças de bagagens, marcação de assentos e eliminação de gestos simples de cortesia, como as balinhas que eram distribuídas antes da decolagem. 😀
Nota: Mais uma vez agradecemos ao Carlos por compartilhar outro ótimo post sobre bônus de transferência dos cartões de crédito para os programas de milhagens.
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